A presidente Dilma Rousseff foi reeleita em segundo turno neste domingo em uma das eleições mais apertadas e imprevisíveis da história do Brasil.
Com 98% da apuração concluídas, a presidente conseguiu 51,5% dos votos válidos, contra 48,5% do seu adversário, o ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves. Ainda com cerca de 97% dos votos apurados não era possível dizer qual candidato havia sido eleito.
Com a difícil vitória, Dilma agora tem o desafio de aliar a continuidade do projeto de governo seu e de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, e levar adiante promessas de renovação, expressadas pelo slogan de campanha “governo novo, ideias novas”.
Um dos principais entraves pode ser o Congresso mais fragmentado, ou seja, dividido entre mais partidos: serão 28 deles a partir de 1º de janeiro de 2015, contra 22 dos que haviam conseguido eleger congressistas em 2010.
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PT e seu aliado PMDB continuam liderando no número de congressistas (70 e 66 assentos na Câmara, respectivamente, e 13 e 19 assentos no Senado), mas perderam vagas em relação às eleições de 2010.
Além disso, o PMDB rachou neste segundo turno, dividido entre os que apoiaram a reeleição de Dilma e os que defenderam abertamente a candidatura de Aécio Neves (PSDB).
Um Congresso mais dividido significa que o governo terá que acomodar mais vertentes diferentes para conseguir apoio.
Dificuldade em reformas
“Um primeiro desafio é a coordenação política, com uma base governista dividida”, diz à BBC Brasil Jairo Nicolau, professor do Departamento de Ciência Política da UFRJ. “É um Congresso polarizado e menos favorável ao governo.”
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“(A fragmentação) torna extremamente complexa a negociação que qualquer presidente tem de fazer para compor a base aliada”, agrega José Álvaro Moisés, professor do Departamento de Ciência Política da USP. “Partidos podem cobrar um preço alto que não necessariamente atende aos interesses dos cidadãos.”
Isso pode tornar ainda mais distantes as promessas de implementar reformas políticas e tributárias, em torno das quais há pouco consenso e muita oposição (por exemplo de partidos menores, muitos dos quais temerosos de perder espaço numa eventual reformulação do sistema político).
Outro tema que vai mexer com o cenário político do próximo ano são os desdobramentos das denúncias de corrupção na Petrobras.
“Havendo comprovação de envolvimento de políticos, teremos um ano em que a agenda do Congresso provavelmente será dedicada às investigações”, diz Nicolau.
Economia
No campo econômico, entre os desafios estão retomar o crescimento (o PIB, segundo projeções, deve crescer menos de 1% em 2014), reequilibrar a balança comercial deficitária (resultado da queda das exportações e aumento das importações) e manter o controle sobre a inflação, que pode ultrapassar o teto da meta estabelecida pelo governo.
Para o economista Antônio Correa de Lacerda, consultor e professor da PUC-SP, o governo conta como trunfo um bom nível de reservas cambiais e o baixo nível de desemprego no país, mas terá de montar uma equipe econômica com melhor interlocução com empresários e trabalhadores.
No primeiro mandato, o setor produtivo criticou a falta de diálogo com o governo, truques contábeis usados nas contas públicas e reclamou mais investimentos em infraestrutura.
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Lacerda opina que houve “déficit de comunicação” e falta de clareza quanto às metas de inflação, pontos que precisam ser corrigidos de forma a melhorar as expectativas com a economia e estimular investimentos.
A mudança da equipe econômica pode ser um dos pontos do “governo novo” da presidente, que já havia dito que o atual ministro da Fazenda, Guido Mantega, não ficará no cargo por “razões pessoais”. Mas o ministro já vinha sendo alvo de críticas de distintos setores por conta da desaceleração da economia.
O que ainda não se sabe, porém, é o quanto da política macroeconômica será alterada no novo governo.
Diálogo e planos sociais
Para muitos analistas, o governo também terá de ampliar o diálogo com um público ainda maior, dado o alto número de abstenções.
Moisés, da USP, lembra que a retórica do PT, sobretudo no segundo turno, foi vista como divisora, o que pode dificultar a aproximação com parte do eleitorado descontente com o novo governo.
No campo social, principal vitrine do governo petista, é onde espera-se a continuidade e ampliação de programas-marca, como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos na saúde e, na educação, o Pronatec.
Os próximos passos da inclusão social e da qualificação da mão de obra brasileira serão uma das questões mais importantes a serem enfrentadas pelo Brasil nos próximos anos, afirma o pesquisador Jessé Souza, da Universidade Federal de Juiz de Fora e autor do estudo Os batalhadores brasileiros, sobre a nova classe de trabalhadores do país.
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Mas ele acha que essa nova etapa inclusão passa por fatores pouco abordados até aqui pelas duas campanhas que disputaram a Presidência.
“Vai além do estímulo econômico, é bem mais complexo. É preciso transformar Os mais excluídos em trabalhadores capazes e hábeis, desenvolvendo habilidades cognitivas ou não. E isso passa (por estimular) educação, participação política, autoestima, laços comunitários, meios de comunicação mais pedagógicos e menos partidários.”
E, para analistas consultados pela BBC Brasil, seguirão persistindo desafios históricos do país: de, além da transferência de renda e da redução da pobreza, aumentar a competitividade e a produtividade do país, ampliar a geração de empregos de qualidade e reduzir os gargalos de infraestrutura.
O eleitorado que ascendeu socialmente nos últimos anos também quer agora um novo tipo de impulso, opina Renato Meirelles, presidente do instituto de pesquisas Data Popular.
“Do mesmo jeito que a economia do Brasil mudou, as expectativas dos eleitores da classe C em relação ao futuro também mudaram. Esse eleitor não quer mais dentadura, quer plano nacional de banda larga. Não quer mais cesta básica, quer ProUni”, diz.
“Essa fatia do eleitorado está mais preocupada com o futuro do que quem trouxe ele até aqui. É muito claro que a vida melhorou, mas a classe C atribui ao próprio esforço essa melhora.”