Por Carlos Eduardo Pereira Silva.
No último dia 30/10/2023, entrou em vigor em todo país, a Lei Federal nº 14.713/2023, oriunda do Projeto de Lei nº 2491/2019 de autoria do senador Rodrigo Cunha.
A Lei em comento acrescenta o § 2º ao art. 1.584 ao Código Civil:
“Art. 1.584. …………………………………………………………………. …………………………………………………………………………………………… § 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança ou do adolescente ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar.”
Da mesma forma, acrescentou o art. 699-A ao Código de Processo Civil:
“Art. 2º A Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 699-A:
“Art. 699-A. Nas ações de guarda, antes de iniciada a audiência de mediação e conciliação de que trata o art. 695 deste Código, o juiz indagará às partes e ao Ministério Público se há risco de violência doméstica ou familiar, fixando o prazo de 5 (cinco) dias para a apresentação de prova ou de indícios pertinentes.”
A inovação legislativa representa sem dúvidas, uma grande alteração legislativa no âmbito do direito da família nos últimos anos, que tem como objetivo tutelar o melhor interesse da criança e do adolescente. A rigor, trata-se de uma medida de proteção à criança e ao adolescente em razão dos genitores que convivem ou conviveram em relacionamento tóxicos em que atos de violência doméstica são praticados, a exemplo: agressões morais, físicas, violência psicológica, patrimonial.
O Princípio do Melhor Interesse do Menor está previsto no art. 227 da CF/88 que dispõe:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
E conforme a brilhante doutrina do familiarista mineiro e presidente do IBDFAM, gestão 2.012, Rodrigo da Cunha Pereira:
“Zelar pelo interesse do menor é cuidar da sua boa formação moral, social e psíquica. É a busca da saúde mental, a preservação da sua estrutura emocional e de seu convívio social. François Dolto, através do seu olhar interdisciplinar, sustenta que a disciplina da matéria deve atender a três referencias de continuidade:
– a continuum de afetividade;
– a continuum social, que indica a necessidade de preservação do ambiente e do relacionamento social, até então vivido pela criança;
– a continuum espacial, determinando que o espaço da criança deve ser preservado, porque a personalidade do menor é construída dentro de um certo espaço. “Quando há mudança de espaço, do lugar onde vive, pode ela perder um dos seus referenciais”. (Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família, Editora Saraiva, 2ª edição, pág. 160).
E arremata o mesmo autor dizendo na obra citada que:
“O Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente tem suas na mudança havida na estrutura familiar nos últimos tempos, por meio do qual ela despojou-se de sua função econômica para ser um núcleo de companheirismo e afetividade, lócus do amor, sonho afeto e companheirismo (…) A família passou a valer somente enquanto fosse veiculadora da valorização do sujeito e a dignidade de todos os seus membros. Diante deste quadro, o menor ganha destaque especial no ambiente familiar, em razão de ainda não ter alcançado maturidade suficiente para conduzir a própria vida sozinho. Precisa dos pais – ou de alguém que exerça a função materna e paterna – para lhe conduzir ao exercício de sua autonomia”.(págs. 148 e 149).
É importante ressaltar que, a referida Lei não faz menção de atos de violência doméstica sob a égide 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), razão pela qual, entendo que, no caso, estes atos de violência domésticas em que a lei estipula pode ter como sujeito ativo e passivo ambos os genitores. Dessa forma, para a Lei em comento, a mulher também pode ser autora de violência doméstica, das mais diversas formas: moral, psicológica, sexual, patrimonial e física.
Conforme o texto, o juiz deve questionar o Ministério Público e as partes sobre eventuais situações de violência que envolvam o casal ou os filhos. Em caso de risco de violência, será concedida a guarda unilateral ao genitor que não é responsável pela violência ou pela situação de risco.
Sem embargos, a Lei não visa especificamente proteger um dos genitores, mas sim, a criança e adolescente, que acaba sendo afetada com seu desenvolvimento psíquico, moral, educacional sob convívio de genitores que mesmo até separados ainda convivem no contexto de violência doméstica que muitas das vezes, no caso, acaba sendo moral e psicológica.
Na guarda compartilhada, os genitores decidem, em conjunto, sobre as questões que dizem respeito à vida dos filhos de vocês (educação, alimentação, moradia, saúde, etc.). Se os genitores mesmo que separados, ainda conviverem sob violência doméstica, a guarda compartilhada torna-se perigosa, pois afetará os filhos, em razão das violências praticadas de um dos genitores contra o outro.
Por outro lado, na guarda unilateral apenas um dos genitores, decidirá, isoladamente, sobre as questões que dizem respeito à vida dos filhos, sendo que a outra parte mantém o direito de visitas e o de acompanhar e supervisionar as decisões quanto à criação do filho.
É importante destacar que o direito de visita, não significa que o outro genitor tem que ir na do outro para visitar o filho, muito pelo contrário, trata-se apenas de um mero direito de conviver um pouco com seu filho, como por exemplo levar ao lazer, passar um dia em sua casa, com a autorização daquela parte que possui a guarda unilateral.
Dessa forma, é de rigor mencionar que a Lei não visa punir um dos genitores que pratica violência doméstica seja qual a forma que for, mas o seu principal objetivo é proteger a criança e adolescente, portanto, assegurar o desenvolvimento psíquico, moral, educacional, daquele que nada tem haver com a atitudes inconsequentes de seus genitores. Trata-se de uma verdadeira intervenção do Estado buscando tutelar e garantir o sadio desenvolvimento da criança ou do adolescente, que na maioria das vezes é a grande vítima dos atos de violência doméstica praticado por um dos genitores contra o outro ou até mesmo ambos.
Por Carlos Eduardo Pereira Silva.