Elton Duarte Batalha
A prisão preventiva do ex-presidente da República Michel Temer por ordem do juiz Marcelo Bretas tem o condão de permitir diversas reflexões nos campos da política e do direito. A produção de efeitos políticos a partir de eventos na seara jurídica é algo profundamente distinto da politização de decisões proferidas no âmbito do direito.
Do ponto de vista jurídico, a sentença de quarenta e seis páginas não expõe motivos suficientes para a existência de prisão preventiva no caso, conforme os ditames do artigo 312 do código de processo penal. Para que a mencionada medida seja tomada, há alguns pressupostos (indícios de autoria e materialidade do crime) e fundamentos que devem ser observados. Verificam-se os primeiros elementos apontados, mas os segundos não ficam claros na decisão exarada por Bretas.
A garantia da ordem pública, da futura aplicação da lei penal, da ordem econômica e a conveniência da instrução criminal constituem os quatro fundamentos para que haja a prisão preventiva. Não houve a exposição na decisão, entretanto, de quaisquer situações que se encaixassem em tal panorama, como a elevada periculosidade do agente, ameaça às testemunhas, destruição de provas ou tentativa de fuga, por exemplo. Importante ressaltar que o mero clamor popular não é suficiente para a decretação da referida medida.
Quanto ao aspecto político, a análise torna-se ainda mais complexa, pois a polarização vivenciada pelo país induz discussões apaixonadas sobre o tema. Exame superficial do assunto vislumbra a prisão de Temer nesse momento processual como algo correto, em resposta à anterior prisão do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, enfraquecendo a narrativa de que este tenha sido vítima de perseguição política. Tais situações, porém, em nada se assemelham, pois o prócer petista foi privado de liberdade após condenação em segunda instância, não de forma cautelar. Ademais, como o argumento utilizado por Bretas para a prisão preventiva não se mostra consistente, a atuação judicial nesse caso poderá ser utilizada para reforçar a corrente que preconiza estar havendo comportamento abusivo por parte dos agentes da Lava-Jato, operação que muito contribuiu para a higienização do ambiente político nacional.
Percebe-se, em suma, que a decretação da prisão preventiva, aparentemente sem fundamentação sólida, pode acirrar a politização da discussão de questões jurídicas, com potencial de perdas sensíveis para o futuro da operação Lava-Jato e questionamento eventualmente indevido da atuação de magistrados e procuradores, causando decréscimo da confiança da sociedade quanto às instituições, fundamentais para o funcionamento saudável da democracia nacional. Em nome da justiça, que talvez fosse naturalmente feita no decurso do processo com a prolação, ao que tudo indica, de sentença condenatória, pode ter sido praticada injustiça por meio de decisão cautelar, como demonstra a concessão liminar de habeas corpus pelo desembargador federal Antonio Ivan Athié. Abre-se espaço, assim, para que seja ampliada a visão social negativa sobre a atuação do Judiciário e trilhada a senda do oportunismo político, apto a criar perspectiva sombria para o futuro das operações judiciais contra a corrupção no país.
Elton Duarte Batalha é professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado. Doutor em Direito pela USP.
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