As inundações no Rio Grande do Sul assolam 449 municípios, impactando diretamente mais de 2,1 milhões de habitantes. São mais de meio milhão de gaúchos desalojados e mais de 80 mil pessoas morando em abrigos. Os efeitos devastadores incluem bloqueios em estradas, escassez de água e interrupções no fornecimento de energia elétrica. Em meio às condições extremas, cidadãos enfrentam dificuldades para retomar suas vidas e seu trabalho. A incerteza quanto ao futuro, soma-se à garantia de seus empregos e à reparação das perdas materiais e emocionais causadas pelo desastre.
O advogado Francisco Gomes Júnior, nos dá algumas orientações essenciais para aqueles que sofreram danos em decorrência das enchentes, abrangendo questões relacionadas ao emprego, moradia, estabelecimentos comerciais e automóveis.
Emprego
Segundo Gomes Júnior, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) conceitua, assim como outras leis, a força maior como sendo “todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.”
O especialista destaca que, caso o empregado enfrente descontos salariais por faltas ou até mesmo demissão sob alegação de abandono de emprego devido à calamidade, ele pode buscar reparação na Justiça do Trabalho, alegando e provando que sua ausência se deu por motivos alheios à sua vontade.
Ainda, a Lei 14.437/2022, promulgada durante a pandemia de COVID-19, visa estabelecer alternativas trabalhistas para lidar com as consequências sociais e econômicas de estados de calamidade pública, podendo ser aplicada também em eventos climáticos extremos.
“A lei prevê a implementação de medidas trabalhistas alternativas, como teletrabalho, antecipação de férias individuais ou concessão de férias coletivas, bem como o uso do banco de horas por até 90 dias, com possibilidade de prorrogação”, ressalta o advogado.
Moradia
Aluguel:
Para os locatários cujas residências foram devastadas pelas enchentes, é importante saber que o proprietário não deve cobrar aluguel. Além disso, o inquilino tem o direito de rescindir o contrato sem o pagamento de multa.
“Se o imóvel ainda puder ser habitado após reparos e/ou reformas necessárias, é aconselhável que as partes negociem um acordo, podendo incluir a suspensão temporária do aluguel ou uma redução do valor acordado por um período definido em conjunto”, destaca o advogado.
É importante destacar que segundo o Código Civil, artigo 393, as reformas necessárias são de responsabilidade do proprietário. Uma vez que enchentes, inundações e outras catástrofes naturais são consideradas “caso fortuito ou força maior”, o locatário não pode ser compelido a arcar com os custos de reparo do imóvel. “O inquilino é responsável apenas pelos danos que tenha causado, o ideal é que as partes cheguem a um comum acordo”, afirma.
Imovel financiado:
Os imóveis financiados normalmente contam com seguros residenciais estabelecidos pelos próprios bancos credores, destinados a cobrir danos físicos decorrentes de eventos como incêndios, inundações ou outras catástrofes naturais. Em situações extremas, como a atual no Rio Grande do Sul, é responsabilidade do banco acionar esse seguro para minimizar os impactos financeiros das pessoas afetadas.
“É importante que o proprietário revise a apólice do seguro para entender as coberturas previstas e os valores de indenização contratados. Após verificar as cláusulas, o proprietário deve entrar em contato com a seguradora, comunicar o sinistro e fornecer toda a documentação necessária para dar entrada no processo de recebimento da indenização”, destaca.
Quanto ao pagamento do condomínio, não há uma regra específica estabelecida pela legislação. O Código Civil, artigo 1.357, determina que a destruição total ou parcial do edifício não resulta na extinção da taxa condominial. A decisão sobre a reconstrução ou venda do terreno cabe aos condôminos.
“É possível que as taxas continuem sendo cobradas dos proprietários, incluindo os custos relacionados a obras de reparação e manutenção”, destaca o especialista. “No entanto, dada a atual situação de emergência pública, enquanto não houver uma norma específica sobre o assunto, é justificável que os condomínios suspendam a cobrança até que a situação se normalize”, conclui.
O especialista também enfatiza que, ao efetuar o pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o contribuinte tem o direito de buscar o reembolso junto ao Município pelos prejuízos causadas pela enchente. “É imprescindível que o contribuinte mantenha registros detalhados dos danos ocorridos em sua propriedade e os apresente de forma adequada às autoridades responsáveis pela administração tributária. Além disso, é recomendável verificar os procedimentos específicos estabelecidos pelo município ou estado para solicitar o reembolso e garantir que todos os documentos exigidos sejam fornecidos dentro dos prazos estipulados”, enfatiza Francisco.
Aluguéis comerciais:
Nos contratos de locação comercial é comum a inclusão de seguros empresariais, que podem variar quanto à cobertura de danos causados por enchentes. Segundo Francisco, os seguros agrícolas e empresariais geralmente abarcam danos por enchentes, mas é essencial observar alguns pontos:
Tipo de seguro: diferentes modalidades de seguros para pequenos negócios e plantações podem oferecer cobertura para danos causados por eventos climáticos, como enchentes, granizo ou seca. Por exemplo, um seguro agrícola pode incluir cobertura para danos por enchentes, enquanto um seguro empresarial pode cobrir danos causados no estabelecimento comercial, como maquinário ou estoque/produção;
Coberturas específicas: algumas apólices de seguro podem já incluir a cobertura para danos causados por enchentes, enquanto outras podem oferecê-la como opcional, demandando contratação separada e possivelmente custo adicional;
Exclusões e limitações: Mesmo com a cobertura para enchentes, é crucial verificar possíveis exclusões ou limitações relacionadas a esse tipo de evento. Por exemplo, algumas apólices podem excluir áreas de alto risco de inundação, como regiões próximas a rios ou em encostas de morros, ou até mesmo áreas historicamente sujeitas a enchentes frequentes.
Automóvel:
A ação a ser tomada pelo cidadão afetado depende da cobertura da apólice de seguro contratada. Se a cobertura incluir eventos como enchentes, a empresa seguradora é obrigada a indenizar. Nesse caso, é conduzida uma análise para determinar se é possível recuperar o veículo danificado ou se é necessário adquirir um novo.
Caso o cidadão se sinta prejudicado por alguma decisão tomada pelo empregador, empresas ou Estado em decorrência das enchentes, o especialista aponta que existem mecanismos legais de amparo. “As pessoas que se sentem lesadas, têm o direito de buscar reparação por meio de ações judiciais”, explica. Além disso, diversas ONGs, incluindo a ADDP (Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor), estão oferecendo orientação e análise das situações enfrentadas pelas pessoas afetadas.
Francisco Gomes Júnior – Advogado Especialista em Direito Digital. Presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP). Autor da obra “Justiça sem Limites”. Instagram: @franciscogomesadv – @ogf_advogados