A imagem da infância é a cerca do latifúndio que esmaga o quintal da casa. Nesse cenário, complementa-lhe o olhar diário a cana-de-açúcar, a usina, os trabalhadores e as trabalhadoras esbagaçados no engenho, além de famílias sem terra buscando pequenos pedaços que lhes caibam na franja das gigantes fazendas de um único dono, para plantar e sobreviver à fome.
Na comunidade de Canafístula, no interior da Paraíba, nos idos dos anos de 1970, uma menina de uma família de camponeses sem terra pobres percebe que as condições de vida dessa gente não andam muito bem. Embora lhe faltasse discernimento à época, não lhe faltava a astúcia do querer saber.
A menina foi crescendo inquieta, enérgica, estudiosa. Devorava livros de literatura emprestados pelas professoras da escola. Começa a imaginar o mundo, que não queria igual ao de sua convivência, por vezes tão brutal.
Aos nove anos, lê cordel para homens e mulheres analfabetos, que só tinham o fardo do trabalho na roça e na cana, sem arte, sem direito, sem pão, sem chão. Aos 13, escreve cartas carregadas de saudades e novidades a pedido dos camponeses e das camponesas para enviar aos seus parentes distantes, migrantes que foram obrigados a vender sua força de trabalho em São Paulo e no Rio de Janeiro.
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Na juventude, embalada pelos discursos proferidos por Margarida Alves, sindicalista rural na Paraíba, a vida começa a traçar seu destino. Participa da igreja organizando grupo de jovens, até que um dia lhe chega um livro sobre as mulheres combatentes da Nicarágua. A cabeça fervilha. Agora, ela tem a certeza de que as mulheres têm importante papel nesse mundo e passa a conceber que a luta pode ser organizada pelo povo.
Aos 17 anos, em 1987, conhece o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ainda em seu estado natal, Paraíba, num momento de intensos conflitos por terra, caracterizados por violência e assassinatos contra famílias camponesas. Mesmo assim, sem temer, lhe dá vontade de engrossar as fileiras junto a tantos e tantas lutadoras contra a concentração de terra e as desigualdades sociais nesse país. Então decide: “A partir de agora, vou rodar este país, este Nordeste, ocupando terra e fazendo luta pela reforma agrária”.
Nascia, então, a histórica e sagaz militante, conhecida como Gilvânia do MST. Depois de colaborar com a fundação do movimento em vários estados da região, foi enviada ao Maranhão. Hoje, 30 anos depois de sua chegada ao estado, Gilvânia tem a memória e a participação nos principais embates da luta pela reforma agrária na terra do arroz, da juçara, do babaçu e do reggae.
Lançada recentemente pelo MST como pré-candidata a deputada federal pelo PT do Maranhão, Gilvânia explica, em entrevista ao Brasil de Fato, porque agora aceitou entrar para outra frente de batalha, onde mulheres negras, mães, educadoras e camponesas como ela não têm espaço.