A eleição de um governador comunista no Maranhão fez soar o alarme na diretoria da Suzano em 2014. A empresa de celulose havia aberto naquele ano uma fábrica na cidade de Imperatriz, no interior do estado, e temia o intervencionismo que um político do PCdoB poderia implementar. Flávio Dino, um ex-juiz federal e ex-deputado, entrou na sala de reuniões da companhia e anunciou: “Eu sou um comunista que trará o capitalismo ao Maranhão. Vivemos ainda na Idade Média”. Àquela época, Dino era uma novidade no cenário político nacional. Ao prometer desenvolver o Maranhão e acabar com a miséria, ele mirava o fim de um ciclo quase ininterrupto de 48 anos de hegemonia do grupo de José Sarney, que deixou o estado na rabeira do país em termos sociais e econômicos. Hoje, o governador surge como a grande novidade do campo da esquerda para a eleição de 2022, apontado até como um potencial presidenciável. O Maranhão, no entanto, se não chegou a abraçar o comunismo, ainda aguarda o choque capitalista que lhe foi prometido. O estado registrou importantes avanços em índices de qualidade de vida, como saúde e educação, mas viu ampliar-se a concentração de renda e o desemprego nos anos de Dino. Como se não bastasse, ele conseguiu uma “façanha” às avessas: em sua gestão, a miséria aumentou ainda mais no mais miserável de todos os estados brasileiros. Como “remédio”, o governador vem abrindo de forma temerária os cofres. Nesse aspecto, provou ser um comunista. Os últimos três anos do Maranhão foram no vermelho, com déficits consecutivos.
No PT, há quem diga que Dino tem habilidade na articulação política e trânsito popular semelhantes aos de Lula. Não à toa seu nome já foi aventado como uma possibilidade para encabeçar em 2022 a chapa do partido, que enfrenta dificuldades para manter a hegemonia na esquerda. O ex-prefeito Fernando Haddad, candidato petista ao Planalto em 2018, tem demonstrado nos bastidores certo incômodo com o protagonismo que o governador do PCdoB vem ganhando no PT. Quando é questionado, Dino costuma sair pela tangente — defende a formação de frente ampla contra o bolsonarismo —, mas dá pistas sobre o futuro. “Uma candidatura à Presidência poderá se colocar se houver um conjunto de forças me apoiando. Se não houver, serei candidato ao Senado”, afirmou a VEJA.
Para justificar alguns dos seus percalços no governo, ele conta que viveu uma “contrautopia perfeita” desde que entrou no Palácio dos Leões. “Nem no meu pior pesadelo imaginava que enfrentaria o período mais agudo da crise econômica, um impeachment e a eleição de Bolsonaro”, diz. O presidente da República se transformou no principal antagonista de Dino em nível nacional — o que ajudou o governador. Os holofotes se voltaram para ele justamente no momento em que Bolsonaro declarou que se tratava do pior entre “aqueles governadores de paraíba”. Para além das bravatas, o governo federal ampliou a contenção dos repasses para programas assistenciais. Em janeiro, conforme revelou o site de VEJA, a fila do Bolsa Família, antes zerada, tinha subido para quase 500 000 pessoas — hoje chega a 1 milhão. Só no Maranhão, o estado com os piores indicadores sociais do Brasil e o maior dependente do programa, houve o cancelamento de 56 000 cadastros de famílias. É uma situação crítica para a maioria das cidades locais, cuja economia depende do tripé formado por concessão dos benefícios, aposentadorias rurais e pagamento em dia dos servidores. “Prefiro acreditar que é um método absurdo de administração da crise fiscal, e não retaliação”, afirma Dino.
Em meio à crise econômica, o governador aproveitou empréstimos que tinha à disposição para elevar consideravelmente os gastos públicos. Concedeu aumentos substanciais aos professores, reformou escolas, inaugurou hospitais e, principalmente, manteve o pagamento dos servidores em dia. “Tinha de fazer isso para evitar um desastre social pior”, justifica. A política surtiu efeitos positivos importantes. O Maranhão viu melhorar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e os indicadores de educação. A morte de mulheres após o parto caiu, assim como os homicídios.
Mas a fatura da conta chegou rápido. O estado perdeu a linha de crédito com a União ao cair para a nota C, de mau pagador. Isso porque contraiu um déficit primário de 700 milhões de reais em 2018, com projeção de encerrar 2019 também no vermelho (o número ainda está sendo fechado). Dino foi obrigado a aumentar impostos sobre combustíveis, bens de consumo e prestação de serviços — e a arrecadação continua irrisória. “Eu tinha consciência do que estava sacrificando, mas tudo foi feito com responsabilidade. Um bom investimento obrigatoriamente impacta o custeio”, declara. A estratégia é arriscada. “Qualquer lampejo na receita põe em risco o nível de investimentos. E o estado, que demanda investimentos em infraestrutura, pode ser afetado”, afirma André Marques, professor do Insper. No Maranhão, entre outras carências graves, 88% da população não tem acesso a tratamento de esgoto.
Em um de seus bordões clássicos, Dino diz que foi eleito para “ser governador, não milagreiro”. Em conversas com aliados, reconhece que 2019 foi o pior ano de toda a sua gestão. A prioridade para 2020 é contingenciar 30% do orçamento de 19,9 bilhões de reais para retomar o selo de bom pagador. O professor da UFMA Felipe Macedo de Holanda, outrora um dos conselheiros mais próximos a Dino, alerta para o perigo de o governo perder a capacidade de elaborar políticas de longo prazo. “Defendo as estratégias que foram implementadas, mas nós estamos apartados do futuro. Definitivamente, Dino não tem fortalecido o planejamento neste último um ano e meio”, critica. No campo social, o governo terá de lidar com aumentos incômodos nos índices da extrema miséria e do desemprego. “Isso só vai cair quando baixar no Brasil todo, sempre foi assim e, infelizmente, continuará assim”, diz o governador.
Enquanto enfrenta percalços em áreas importantes, Dino vem se destacando na capacidade de articulação política. No segundo mandato, sua base saltou de nove para dezesseis partidos, entre eles os direitistas DEM e Republicanos. Dos 42 deputados estaduais, só três formam a oposição. “O grupo dos Sarney acabou”, afirma o deputado César Pires, que foi secretário da ex-governadora Roseana Sarney. Outro opositor é o neto do ex-presidente, Adriano, o único da família que hoje tem cargo eletivo, e que revoltou o avô ao abandonar o sobrenome na vida pública (na porta do seu gabinete na Assembleia Legislativa, “Adriano” é o único nome na placa). O ex-presidente considerou aquilo uma “vergonha”. “Quero imprimir uma marca minha”, justifica o deputado estadual. Aos 89 anos, Sarney não quer mais se envolver publicamente com a política, mas diz que Dino tem o direito de prospectar uma candidatura ao Planalto. O governador já esteve com os ex-presidentes Lula e FHC e com Luciano Huck, um possível candidato em 2022. Com o apresentador, teve várias conversas sobre o combate à desigualdade. Eles não falaram em nenhum momento a respeito de uma parceria política. Ao contrário da esquerda, Dino tem bom trânsito entre os evangélicos, tanto que há um processo contra ele por uso da máquina pública após ter criado 36 cargos de capelão nas forças de segurança estaduais, a maioria para evangélicos e sem concurso, com salários que chegam a 20 000 reais, uma verdadeira fortuna por ali.
A habilidade nas alianças, a postura de encarnar uma esquerda menos radical e alguns projetos certeiros na área social ajudaram a projetar nacionalmente seu nome. Mas a gestão econômica temerária e a falta de reformas estruturais são problemas a enfrentar em um estado que, apesar da pesada herança de terra arrasada do clã Sarney, ainda ostenta alguns títulos ruins, como o da pior expectativa de vida do país, e indicadores socioeconômicos similares aos do Haiti. Para um político que começou a cogitar chegar ao Palácio do Planalto, os holofotes atuais sobre Dino não se traduzem em brilho na gestão. Há, no mínimo, muito trabalho a fazer para sonhar com a Presidência.