Por Abdon Marinho.
AINDA hoje encontro, vez por outra, quem se lembre – e comigo fale –, sobre um texto escrito há alguns anos intitulado “O Menino Só”. Lá discorro sobre a suposta solidão do governador do Maranhão no exercício do seu mandato.
Cercado mais por fãs e adoradores (que o diga o coro “puxado” no último carnaval: “Dino eu te amo!”, umas das cenas mais constrangedoras que já ouvi falar), disse lhe faltar amigos reais, aqueles capazes de dar conselhos ou lhe apontar os equívocos de forma altiva, sem temer qualquer represália. Ou seja, coisa que só os amigos verdadeiros são capazes de fazer.
Assento isso dizer que faltou-lhe um amigo leal para lhe ponderar o quanto equivocou-se no tratamento dispensado ao ex-governador José Reinaldo Tavares nos últimos anos, forçando-o a buscar abrigo noutro grupo político, segundo dizem, junto ao deputado estadual Eduardo Braide, do PMN, que lança-se no desafio de disputar o governo estadual.
Os iluminados que cercam o governador certamente festejarão o fato do ex-governador ter tomado a iniciativa do rompimento e não ter esperado o senhor Dino oficializar que ele não seria o seu candidato – e do seu grupo –, ao Senado da República. São uns tolos.
Lendo os fatos de longe, acho que José Reinaldo Tavares demorou a buscar um outro rumo e apostar numa terceira via que – ainda incipiente –, tem um grande potencial de crescimento, e não mais esperar um gesto do atual governador que não veio – e que nunca viria.
Os sinais que o governador não lhe seria grato foram bem claros.
Desde os primeiros dias da atual gestão que lhe mandam recados que ele era uma “persona non grata” no governo que ajudou a construir e na causa pela qual devotou ou maiores sacrifícios, até mesmo o da privação da liberdade.
Com cinquenta ou mais anos de vida pública e tendo sido fiador do projeto político, já no começo da gestão viu-se desautorizado – e de forma grosseira –, pelo lugar-tenente do governador, novel na política, que nunca fez um sacrifício por qualquer causa ou mesmo teve votos, em qualquer eleição, suficientes para uma suplência digna.
O desprezo dos atuais inquilinos dos Leões pelo ex-governador sempre foi algo bem perceptível e não uma trama diabólica dos adversários.
Eu mesmo, que não tenho um papel ativo na política, mas conhecedor dos sacrifícios do ex-governador pela causa do grupo político que se autodenomina “anti-Sarney” – embora hoje com mais gente daquele grupo que outra coisa –, por mais de uma vez, vi-me na contingência de sair em seu socorro, constrangido, com tal “vergonha alheia”, pelo tratamento que lhe era dispensado.
Apesar de tudo, do desprestígio e mesmo das admoestações públicas, o ex-governador manteve-se firme defendendo o governo e o governador, encarando as humilhações que sofria como se estas ainda fossem parte da cota do sacrifício a que se impusera.
Fez isso até mesmo após o governador, publicamente, declarar que o seu primeiro candidato a senador seria o deputado Weverton Rocha, do PDT, e que os demais postulantes, entre eles o ex-governador José Reinaldo, teriam que buscar a sua viabilização política ou social. Nas lembranças dos meus tempos de infância: irem para o tapa.
Esta colocação foi deixada clara pelo próprio governador em entrevista de fim de ano ao Jornal Pequeno. E, mesmo depois dela, o ex-governador declarou que só não seria candidato ao lado dele (Flávio Dino) se este não o quisesse.
A este apelo o governador, sequer, fez um gesto de boa vontade. Fingiu ou fez que não ouviu.
Ora, qualquer um no Maranhão que tenha vivido ou participado da política do estado na última década é sabedor que ninguém mais que o ex-governador era merecedor da “candidatura nata” ao Senado da República pelo grupo que estar no poder, que ele.
A começar pelo fato de ter “inventado” e “bancado” o início da carreira do senhor Dino quando este era um ilustre desconhecido da política maranhense.
É fato público que foi José Reinaldo, então governador, que “inspirou” aquela candidatura aproximando-o de importantes políticos estaduais que, então, lhes tinham sérias desconfianças, como prefeito Cleomar Tema e o ex-prefeito e ex-deputado Humberto Coutinho – este último recentemente falecido –, que, com o aval do governo, o acudiram com os votos necessários para lhe fazer deputado federal e iniciar a pavimentação do seu caminho ao executivo estadual.
Já naquela época, este o claro e público propósito do governador que sonhava com a renovação política no estado.
Um amigo que esteve presente ao velório de Humberto Coutinho, em Caxias, confidenciou-me alguns dias depois: — Abdon, a emoção do governador no discurso de agradecimento ao morto era de visível contraste com a frieza àquele que fora responsável por tão profícua amizade: Zé Reinaldo.
Como me é comum, para não perder a piada, ainda que de gosto duvidoso, retruquei: — É, meu amigo, talvez isso se deva ao fato de Humberto Coutinho estar morto enquanto José Reinaldo estar mais vivo que nunca.
Mas, como dizia, retornando ao tema, desde 2006 que o ex-governador coloca os interesses do grupo que estar no poder diante dos seus.
Fez isso no próprio 2006 quando poderia ter entregue o governo ao vice-governador Jura Filho – e assim retornar o governo ao grupo Sarney –, para candidatar-se, e ser eleito, senador, pois tinha “cacife” para isso, mas preferiu conduzir aquela eleição que fez Jackson Lago governador; colocou novamente em 2010, quando o grupo aprontou a “ursada” de lançar cinco candidatos para as duas vagas de senador, o que liquidou com suas chances; e em 2014, quando, em nome da unidade, abriu mão para a candidatura de Roberto Rocha.
Agora, em 2018, com o governador que “fez” surfando na popularidade, com duas vagas em disputa, depois de tantos sacrifícios, o mínimo que o grupo político, que tanto ajudou, deveria fazer era, sequer, admitir que houvesse discussão sobre a primeira candidatura, pois a do ex-governador era, inquestionavelmente, a natural, ninguém discutiria isso. Todos, aliás, ainda discordando de algumas de suas posições, tinham sua candidatura como certa.
A outra vaga na chapa seria preenchida por quem melhor se viabilizasse politicamente, pois José Reinaldo já fora viabilizado ao longo dos anos.
Este era o roteiro da lógica mais razoável.
A solidão do poder ou, talvez, a soberba, não deixou o governador perceber uma lição, que de tão óbvia, chega a ser primária: política fazemos evitando problemas e não criando-os.
Um erro grave para quem se acha merecedor de planos mais elevados que o governo do Maranhão.
A estratégia de empurrar e escolha até o ponto de não deixar aos postulantes outra alternativa que não fossem aceitarem quaisquer migalhas ofertadas pelo dono do poder, não funcionou com José Reinaldo, que antes tarde do que nunca, fugiu do ardil.
O rompimento do ex com o atual governador não é, em nada, bom para este último. Não apenas do ponto de vista eleitoral, como, sobretudo, do político.
A primeira leitura que a classe política – que já tem desconfianças em relação ao governador –, fará é: “ora, se ele tratou ‘assim’ Zé Reinaldo que o ‘fez’ na política, como vai nos tratar, agora, mais fortalecido por um segundo mandato?”.
Esta leitura e, principalmente, o engajamento do ex-governador numa candidatura de Eduardo Braide – que não fez feio na eleição para prefeito da capital –, trará uma nova e boa perspectiva a uma terceira via que catalisará os apoios dos insatisfeitos com o governo comunista mas que não querem nem saber de um retorno aos governos do grupo Sarney.
O governador, embevecido pelo poder, talvez, não tenha se dado conta do real significado do gesto de José Reinaldo, que, registre-se, demorou a não mais poder em fazê-lo, na esperança de contar com apoio – que não veio –, pois, ainda que não agregasse muitos votos, até mesmo devido às condições materiais, tem uma imensa facilidade de tirá-los, principalmente, pela capacidade de articulação que tem e pela história que construiu ao longo dos anos. Não tem político no Maranhão que não lhe seja devedor de algo, mesmo que de um gesto de consideração.
A isso some-se a extraordinária capacidade de fazer política de Eduardo Braide, que entra numa guerra onde só tem ganhar. Se tiver a inteligência para explorar os pontos fracos deste e dos governos que o antecedeu, tem grandes chances de fazer uma grande campanha.
Não tenho dúvidas que o governador enfrentará um contratempo extra com o qual não contava. Ainda mais, que essa não será uma única baixa.
O ex-governador, fora do grupo, certamente forçará a saída de um apoio esdrúxulo do Partido Democratas – DEM ao projeto comunista. Já era inusitado que tal apoio viesse devido à situação nacional, agora isso se torna mais distante.
Outra baixa que é contada como certa – e também fruto da inabilidade do atual inquilino dos Leões –, é a do deputado Waldir Maranhão, que cobra aquilo que segundo ele foi um compromisso acertado com testemunhas: de que seria o candidato a senador na chapa do governador pela sua “participação” episódio do impeachment.
O deputado, a mais de um amigo já confidenciou que cobrará publicamente do governador tal compromisso, inclusive rememorando aquelas que teriam sido suas palavras: — Waldir, meu amigo, eu não teria coragem de lhe pedir para assinar algo que estas mãos não assinassem.
Segundo estes amigos, isso teria sido dito o governador olhando para as próprias mãos.
São muitos compromissos e pouca a disposição – e mesmo condições para cumprir –, o que provoca os desgastes que não teria se tivesse agido com lealdade com os que lhe devotaram amizade. Honrando os compromissos assumidos e descartando os que não teria condições para cumprir.
O rompimento do ex-governador José Reinaldo com o atual Flávio Dino é a prova de este último faltou não apenas com os seus deveres de aliado político, mas também com os deveres da amizade.
O tempo, senhor razão, fará a justiça derradeira.
Abdon Marinho é advogado.