Michel Temer: filho de comerciantes libaneses costurou seu caminho na política até chegar ao posto atual, prestes a assumir a presidência em caso de impeachment de Dilma Roussef.
Adriano Ceolin, do Estadão Conteúdo
Brasília – Com paciência – e sobretudo – senso de oportunidade, o paulista Michel Miguel Elias Temer Lulia está próximo de se tornar o homem mais poderoso do País. Presidente do PMDB há 15 anos, ele usou todo o peso do partido para ascender politicamente.
Contudo, ainda terá de se entender com o correligionário Renan Calheiros (AL), presidente do Senado. Cabe à Câmara Alta a decisão sobre o afastamento de Dilma Rousseff do Palácio do Planalto.
É a última etapa a separar esse filho de comerciantes libaneses, atualmente com 75 anos, de se sentar na cadeira de presidente do Brasil como titular – por ora, ainda é o vice.
Pode-se dizer que Temer sabe esperar sua vez. É o oitavo e último filho de Miguel e March Lulia, casal que imigrou do Líbano, em 1925, e fixou residência em Tietê, município localizado a 102 km da capital paulista.
Foi na pequena cidade, hoje com cerca de 40 mil habitantes, que Temer morou até a adolescência. Mudou-se para capital no fim dos anos 50 para concluir o ensino médio. Depois, seguiu o exemplo de quatro dos seus irmãos e ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
Durante o curso, Temer participou do movimento estudantil e fez amizade com professores e dirigentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que tinham forte atuação política na época.
Formado em 1963, conseguiu um emprego como oficial de gabinete na Secretaria de Educação do governo Ademar de Barros, o paulista que deu origem ao “rouba, mas faz” depois associado a outros políticos. O secretário era o jurista Ataliba Nogueira.
Após o golpe militar em 1964, Temer concentrou-se nos estudos. Doutorou-se em direito pela PUC de São Paulo, onde passou a dar aulas ao lado do também professor André Franco Montoro, que já era um político experiente com dois mandatos de deputado federal pelo Partido Democrata Cristão (PDC) e havia sido um dos fundadores da universidade católica.
Com a adoção do bipartidarismo, Montoro ingressou no Movimento Democrático
Brasileiro (MDB), única agremiação autorizada pela ditadura a atuar como oposição. Temer foi junto e nunca mais deixou a sigla, que ganhou o “P” de partido em 1981.
Quase tucano
A ligação com Montoro foi decisiva para a carreira de Temer. Em 1982, o colega de PUC elegeu-se governador de São Paulo e nomeou o professor de Direito como procurador-geral do Estado, primeiro, e depois secretário de Segurança Pública.
Foi durante o governo Montoro (1983- 1987) que o peemedebista ficou mais próximo de José Serra, então secretário de Planejamento, e dos senadores Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso.
Covas havia recuperado os direitos políticos cassados pela ditadura e, ao lado do futuro presidente da República, faziam parte da cúpula do PMDB dos anos 1980.
Na sucessão de Montoro, porém, nenhum deles teve chance de evitar o lançamento do vice-governador Orestes Quércia, ex-prefeito de Campinas e ex-senador que também fazia parte do PMDB e mantinha forte liderança no interior do Estado.
Era o prenúncio de uma racha que se consumaria em 1988, com a criação do PSDB.
Temer concorreu a deputado federal em 1986, mas conseguiu apenas uma vaga de suplente. Porém, contou com a sorte. Em março de 1987, assumiu uma vaga de deputado da Assembleia Constituinte que promulgaria, no ano seguinte, a Carta conhecida como “Constituição Cidadã”.
Pouco antes da promulgação, em outubro de 1988, Covas, Serra, FHC e Montoro saíram do PMDB para fundar o PSDB. Nessa oportunidade, Temer viveu outro momento-chave.
Em vez de seguir os colegas, ficou no PMDB, aceitando um conselho do próprio ex-governador e colega de PUC: “No PSDB, a fila vai ser grande para você”. Em1990, Temer concorreu à reeleição para a Câmara, mas novamente só teve votos para uma vaga de suplente.
Em 1992, ele voltou ao comando da Secretaria de Segurança seis dias após o “massacre do Carandiru”, quando ao menos 111 presos foram assassinados por ordem do comando da Polícia Militar durante uma rebelião dentro da antiga Casa de Detenção, na zona norte da capital paulista, às vésperas de uma eleição municipal.
Temer ajudou a conter a crise e voltou para a Câmara um ano depois, ainda como suplente.
Em 1994, concorreu de novo e, finalmente, ganhou uma cadeira de titular.
O articulador
Naquele ano, o PMDB elegeu a maior bancada da Câmara (107 deputados), o que daria ao partido o direito à Presidência da Casa. A antiga ligação com a cúpula tucana fez de Temer o principal interlocutor da sigla com o recém-eleito presidente Fernando Henrique.
Contudo, em vez de exigir a cadeira de presidente da Câmara, Temer propôs um acordo com o PFL (atual DEM), partido que ajudou o PSDB a conquistar a Presidência: o deputado baiano Luís Eduardo Magalhães (PFL) – filho do então senador Antônio Carlos Magalhães, que apelidou o peemedebista de “mordomo de filme de terror” – seria o presidente no biênio 1995-1997 e Temer lhe sucederia no cargo pelos dois anos seguintes. O acordo foi aceito e cumprido.
Reeleito em 1998, Temer ganhou mais uma vez o comando da Casa e ficou no posto até 2001. Naquele ano, aproveitou-se do escândalo político envolvendo o então senador Jader Barbalho (PMDB-PA) – acusado de desviar recursos do Banco do Estado do Pará – para ficar com o lugar dele na presidência do PMDB.
Em 2002, Temer articulou o apoio do partido à candidatura de Serra ao Planalto, obtendo a vaga de vice na chapa no lugar do PFL. Apesar da derrota do tucano, o peemedebista se manteve como presidente da sigla e deu início ao seu relacionamento com o PT.
Em 2005, tentou voltar à presidência da Câmara após a renúncia de Severino Cavalcanti (PP-PE), envolvido num esquema de cobrança de propina no restaurante da Câmara.
Temer, que na oportunidade integrava a ala oposicionista do PMDB, pediu para o governista Renan Calheiros convencer a Lula a apoiá-lo na empreitada.
Quando o alagoano enfrentou a acusação de ter a pensão de uma filha fora do casamento paga pela empreiteira Mendes Júnior e teve de deixar o comando do Senado, o deputado paulista o ajudou a pelo menos conservar o mandato parlamentar.
A aliados, Temer diz que Renan prometeu ajudá-lo, mas, ao reunir-se com Lula, defendeu o nome de Aldo Rebelo (PC do B-SP), que acabou assumindo a cadeira.
Discórdia
Até hoje o episódio é motivo de discórdia entre os dois. Em 2007, foi a vez de Temer se vingar. De novo com apoio de Renan, Aldo tentou a reeleição, mas acabou surpreendido pela reedição do acordo que o deputado paulista havia feito uma década antes, desta vez com o PT.
Temer acertou que o petista Arlindo Chinaglia (SP) seria presidente entre 2007 e 2009 e o peemedebista nos dois anos seguintes, a exemplo do que ocorreu no governo tucano.
A volta ao comando da Câmara foi decisiva para Temer reafirmar seu poder no partido e ser indicado candidato a vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff, em 2010.
Os dois pouco se conheciam, mas conseguiram formar uma chapa vitoriosa naquela eleição. Mesmo com desentendimentos ao longo do primeiro mandato e menor apoio de peemedebistas, a dupla Dilma-Temer foi mantida em 2014.
O primeiro ano do segundo mandato da dupla não poderia ser mais estremecido. Ao longo de pouco mais de 15 meses, as rusgas ficaram evidentes.
O registro das diferenças foi primeiro escrito em carta na qual o vice se queixa de ter sido “decorativo”, divulgada dias após Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na cadeira três vezes ocupada por Temer, aceitar a acusação por crimes de responsabilidade contra Dilma. Depois, gravado em áudio vazado há uma semana.
Já rompidos, Temer não omitiu sua vontade de tomar o lugar da companheira de duas chapas eleitorais: “Se o destino me levar para a função (de presidente), estarei preparado”, afirmou em entrevista à reportagem e à Globo News.
Com a aprovação do impeachment na Câmara, resta o Senado referendar a decisão dos deputados e concretizar o plano de Temer.
A mudança do Palácio do Jaburu, residência oficial do vice, para o
da Alvorada, onde Dilma promete ficar até a conclusão do processo de impeachment, leva mais um tempo. Mas o poder já está em outras mãos.
Fonte: Revista Exame