Correio Braziliense
No começo de 2014, Flávio Dino deixou a presidência do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) para se candidatar ao governo do Maranhão. Foi eleito no primeiro turno, pelo PCdoB, com mais de 60% dos votos. Mas, ao seu lado, faltava alguém importante para celebrar a vitória. Em 2012, o filho caçula do governador, Marcelo Dino, à época com 13 anos, não resistiu a uma forte crise de asma e teve uma parada cardiorrespiratório durante internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Santa Lúcia.
A família registrou ocorrência na 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul) sob a alegação de erro médico. A polícia deu início à investigação e, dois meses depois, indiciou a médica e a enfermeira que atenderam o jovem com a justificativa de que houve falhas no atendimento. Em agosto, os pais deram entrada em uma ação penal privada contra a médica Izaura Costa Rodrigues e a enfermeira Luzia Cristina dos Santos Rocha. Segundo eles, havia indícios suficientes para subsidiar a denúncia, e o Ministério Público do DF e dos Territórios (MPDFT) perdera prazos para oferecer a acusação.
No entanto, todas as tentativas de desqualificar o atendimento a Marcelo Dino foram até agora infrutíferas. Em novembro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) extinguiu o processo que apurava as circunstâncias da morte de Marcelo. A decisão da Corte confirmou o entendimento do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) de arquivar o inquérito que apurava suposta imperícia da médica e da enfermeira que atenderam Marcelo. No entanto, os pais do menino não se conformam. Decidiram prossesguir com o processo e recorrer da decisão ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Como foi viver uma superação pessoal como a eleição para o governo do Maranhão numa situação de perda do filho?
Não há superação total para quem é vítima de uma violência dessa dimensão. Quando tudo ocorreu, disse que iria sobreviver para transformar o luto em luta. É o que tenho feito: lutado por justiça para o meu filho, por um futuro melhor para as crianças do Maranhão, por um país mais justo.
Após o arquivamento de um dos processos, quais são os próximos passos? O que o senhor vai alegar para levar o caso ao Supremo?
Apesar dos estranhos esforços de um promotor do DF, nenhum processo criminal foi arquivado ainda. Há recursos da procuradoria geral de justiça e da família de Marcelo pendentes no STJ. Note-se: a procuradoria geral de justiça recorreu contra o arquivamento do caso. Na ação penal privada, movida por mim contra a médica Izaura, há recurso pendente no Supremo. Interessante notar que jamais o mérito do caso do meu filho foi julgado. Há apenas filigranas processuais inventadas para impedir exatamente que o Judiciário julgue o mérito, ou seja, avalie os disparates que ocorreram no hospital Santa Lúcia no dia 14 de fevereiro de 2012.
Quais processos tramitam hoje?
O inquérito policial, que não foi arquivado, pois existem recursos no STJ, inclusive do próprio Ministério Público do DF. Existe a ação penal privada, em exame no Supremo. E uma ação indenizatória movida contra o hospital Santa Lúcia, ainda em primeira instância. Além disso, o hospital foi multado pelo Ministério do Trabalho e pela Vigilância Sanitária, além de responder a uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho.
Quais provas e argumentos o senhor tem usado para alegar que houve erro médico no caso da morte do seu filho?
Meu filho tinha asma moderada. No dia 13 de fevereiro, teve uma crise na escola, jogando futebol, e então foi levado ao Santa Lúcia, onde ficou por 19 horas consecutivas, sem nenhuma nova crise. Nesse período, nenhum exame específico foi realizado nele. Sequer um pneumologista o avaliou. Mas confiávamos no hospital. Na manhã do dia 14, todos os parâmetros dele estavam ótimos, saturação de oxigênio excelente. Estava bem disposto. Mandou mensagem de celular aos amigos avisando que estava saindo do hospital. Às 6 horas da manhã, ele tomou uma dose de SoluMedrol aplicado por uma auxiliar de enfermagem, que legalmente não poderia estar ali nem fazer aquele procedimento. O remédio pode causar parada respiratória, sobretudo quando aplicado muito rapidamente. A mãe de Marcelo estava presente à hora da aplicação e relatou que ela durou alguns segundos. Imediatamente, meu filho teve uma crise respiratória que nunca havia tido na vida.
O que houve a seguir?
Não havia nenhum médico na UTI Infantil do Santa Lúcia. Meu filho morreu por uma aplicação errada de medicamento e por demora no atendimento dentro de uma UTI no suposto melhor hospital de Brasília. O inquérito conduzido pela Polícia Civil constatou, a partir dos depoimentos de enfermeiras, que a médica Izaura Costa Rodrigues estava auxiliando um parto no momento em que meu filho teve a crise. Ela era a única plantonista, responsável pela UTI, mas não estava presente no momento. Simplesmente saiu, e não deixou nenhum substituto. Isso é absolutamente ilegal. Quando chamada, tardou cerca de cinco minutos para chegar, pois foi trocar de roupa, que estava suja da sala de parto. Pode parecer pouco, mas para uma pessoa que está sem respirar é determinante. E quando ela chegou, sequer fez a intubação orotraqueal, provavelmente porque não sabia fazer. Ela esperou a chegada de um anestesista, que demorou mais 10 minutos. Enquanto isso meu filho agonizava na nossa frente. A mangueira do oxigênio quebrou. Enfim, um caos. Essa é a verdade, apurada claramente no inquérito policial.
O senhor, como ex-juiz federal, não confia na Justiça brasileira?
Sim, confio. Por isso mesmo que sei que a impunidade não vai prevalecer nesse bárbaro caso. Pode levar a minha vida inteira, mas algum tipo de justiça será feita. A justiça possível vai ocorrer. A justiça plena será feita por Deus.
O que mudou na vida dos senhor nos últimos três anos? Como tem sido esse tempo?
Tempo de muita dor e sofrimento. Nó na garganta diariamente. E muita saudade de um menino maravilhoso e feliz, grande jogador de futebol e guitarrista.
Alguma dessas decisões seria capaz de reduzir o sofrimento da família?
Não, jamais. Lutamos por justiça sobretudo por causa de outras famílias. Creio que chegará o tempo de esses crimes não serem tão banais como são atualmente em Brasília. No caso de Marcelo queremos apenas que o poder Judiciário possa julgar o que ocorreu, coisa que até aqui nunca foi possível, por conta de filigranas processuais. Temos direito à verdade.