Skip to content

FALSO ADVOGADO: CNJ tenta dar um “golpe no golpe”, mas acerta em cheio a própria advocacia — segurança digital vira armadilha que trava prazos, paralisa escritórios e ameaça o acesso à Justiça

Neto Cruz, 3 de novembro de 20253 de novembro de 2025

O CNJ quis blindar o sistema, mas, no meio do caminho, blindou a advocacia contra o próprio trabalho. Criou uma barreira invisível que isola os profissionais da Justiça em nome da segurança.

É preciso repensar. O direito à informação não pode matar o direito de petição. A segurança digital não pode suplantar a efetividade da jurisdição. E o Judiciário, por mais tecnológico que se torne, não pode esquecer que o advogado é — e sempre será — humano.

Foto: Ana Araújo/CNJ

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu apertar o cerco contra fraudes digitais. Inspirado por boas intenções — coibir o famigerado “golpe do falso advogado” — o órgão instituiu uma nova camada de autenticação nos sistemas eletrônicos do Judiciário, exigindo login multifatorial, autenticação via aplicativo e acesso restrito ao titular do certificado digital.

O resultado? Um colapso silencioso no coração da advocacia.

Nos grupos de advogados, o clima é de desespero. Escritórios de médio e grande porte, que dependem de estrutura compartilhada para cumprir dezenas de prazos diários, simplesmente pararam. Um profissional descreveu o caos de forma crua e precisa:

“Se eu tenho um computador que trabalha para um contencioso e várias pessoas usam o mesmo certificado, não pode mais. Se eu entro com o certificado e o Google Authenticator, ninguém mais consegue usar. Estou sem acessar o sistema, com prazos estourando. Estamos de mãos atadas.”

O que era para ser uma barreira contra criminosos acabou virando uma barreira contra advogados.

O golpe da boa intenção

Não há dúvida de que o CNJ agiu com base em um princípio legítimo: a segurança da informação. O problema é que, na ânsia de combater a fraude, criou-se uma “tecnocracia processual” que desconsidera a realidade da advocacia brasileira.

O artigo 133 da Constituição é claro: o advogado é indispensável à administração da justiça. Mas, neste momento, milhares de profissionais estão impedidos de exercer esse papel não por má-fé, e sim por uma política que ignora a diversidade de realidades nos escritórios — especialmente aqueles que lidam com contencioso em larga escala.

De um lado, o CNJ invoca a segurança cibernética. De outro, os advogados vivem o pesadelo da paralisia funcional. Entre a proteção e o colapso, prevaleceu o excesso de zelo.

Quando o remédio vira veneno jurídico

O Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) e a própria Lei 11.419/2006 — que trata da informatização do processo judicial — determinam que a tecnologia deve facilitar, e não restringir, o acesso à Justiça.

Ao condicionar o peticionamento à posse física e exclusiva do certificado, a medida impõe uma limitação material ao exercício profissional. Em termos práticos, o advogado que se ausenta do escritório deixa toda a equipe impossibilitada de atuar. Os sistemas não reconhecem o procurador, o preposto, nem o estagiário autorizado: reconhecem apenas o token e o celular do titular.

Trata-se, em essência, de um obstáculo administrativo travestido de inovação. E isso afronta não apenas o direito ao exercício da profissão, mas o próprio princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF), já que, sem acesso digital, não há petição, e sem petição, não há Justiça.

A advocacia refém do aplicativo

Nas últimas semanas, a rotina de escritórios transformou-se em uma sucessão de tentativas frustradas de login, códigos de verificação e telefonemas desesperados à OAB. A advocacia digital, antes símbolo de celeridade, virou refém de uma burocracia virtual que parece desconhecer a realidade fora de Brasília.

A ironia é cruel: o advogado que atua de forma ética, em equipe, dentro de um escritório regular, é quem paga o preço da desconfiança que deveria recair sobre os fraudadores.

Enquanto isso, o “falso advogado” que o CNJ tenta combater provavelmente não utiliza o PJe, não peticiona, não acessa o sistema — opera à margem, no anonimato, burlando o aparato digital que, paradoxalmente, agora sufoca quem trabalha de forma legítima.

A OAB precisa reagir — e rápido

O Conselho Federal da OAB já havia solicitado ao CNJ a adoção de medidas contra o golpe do falso advogado. Mas ninguém imaginava que a “solução” se transformaria em um bloqueio institucional da advocacia. Agora, é a própria OAB quem precisa agir para reequilibrar o jogo: o acesso seguro não pode significar o bloqueio funcional de milhares de profissionais.

A advocacia brasileira não pode ser tratada como suspeita por presunção. A confiança é um princípio basilar da função essencial à Justiça. Quando o Estado cria obstáculos desproporcionais ao exercício da profissão, rompe-se o equilíbrio entre segurança e liberdade profissional — e isso é grave.

Um alerta à magistratura e ao CNJ

A medida do CNJ é juridicamente legítima, mas institucionalmente desastrosa. O combate à fraude deve ser inteligente, não punitivo. O juiz, o servidor e o advogado precisam de segurança, sim, mas também de acesso funcional, agilidade e previsibilidade.

O Poder Judiciário não pode esquecer que tecnologia é meio, não fim. E que o excesso de formalismo digital pode gerar um efeito tão nocivo quanto a fraude que se buscava evitar.

Afinal, que tipo de segurança é essa que garante a integridade do sistema, mas impede o cidadão de ter seu processo peticionado no prazo?

Justiça

Navegação de Post

Post Anterior
Próximo Post

Posts Relacionados

Justiça

Rifas virtuais e defesa técnica: o caso Ingrid em debate jurídico

19 de setembro de 202519 de setembro de 2025

    A discussão sobre rifas virtuais realizadas sem autorização oficial ganhou novo fôlego a partir do episódio envolvendo Ingrid Andrade, acusada de promover sorteios pela internet. A repercussão não se limita ao fato em si, mas ao trabalho da defesa, que tem buscado demonstrar a ausência de dolo e…

Leia Mais
Justiça

TJMA abre inscrições para formação de lista tríplice de juristas ao TRE-MA

20 de outubro de 202520 de outubro de 2025

O Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) publicou edital abrindo inscrições para advogadas e advogados interessados em compor a lista tríplice destinada à escolha de novo membro titular do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (TRE-MA), na categoria de jurista. A vaga surge em razão do término do biênio do atual…

Leia Mais
Justiça

CNJ ignora esforços da COGEX e recebe críticas por conclusões precipitadas em relatório de inspeção no TJMA

4 de julho de 20254 de julho de 2025

  As conclusões extraídas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Relatório de Inspeção Ordinária realizada no Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), em fevereiro de 2025, vêm gerando desconforto e indignação entre operadores do Direito e setores do próprio Judiciário. Em especial, as críticas recaem sobre as observações direcionadas…

Leia Mais

PUBLICIDADE

POSTS POPULARES

  • Professores do interior reagem a tentativa do prefeito em dar zignal nos juros do FUNDEF; entenda o caso
  • Traição à Educação: vereadores do interior afrontam o direito dos professores ao aprovarem uso dos juros do FUNDEF
  • CACHOEIRA GRANDE EM CHAMAS: César e Thamiris travam duelo de gigantes pelo comando do Munim
  • Exclusivo! Guarda Municipal saca arma contra motorista de ônibus após negar carona; VÍDEO
  • FUFUCA NA CORDA BAMBA: o Ministro que quer voar alto demais e pode ‘cair no fosso’ como Gastão e Sarney Filho
©2025 Neto Cruz | WordPress Theme by SuperbThemes