Nos últimos três anos, o Brasil vem presenciando um aumento significativo nos pedidos de recuperação judicial, sobretudo no setor que historicamente tem sido um dos motores da economia nacional: o agronegócio. A mudança de orientação na política econômica, com elevação de custos de financiamento, aumento do risco climático e instabilidade cambial, tem pressionado fortemente as margens de produtores rurais, cooperativas e empresas do setor, levando muitos à necessidade de buscar socorro no Judiciário.
Segundo levantamento da Serasa Experian, os pedidos de recuperação judicial no agronegócio cresceram 32% apenas no segundo trimestre de 2025, em relação ao mesmo período do ano anterior. Quando comparado ao primeiro trimestre, esse número salta para quase 45%, configurando um cenário de agravamento expressivo da crise no campo.
O agro também quebra
Historicamente tido como setor resiliente, o agronegócio hoje enfrenta um ciclo de alta nos custos operacionais, retração nas exportações e queda dos preços das commodities. Além disso, o produtor rural — mesmo aquele sem inscrição mercantil tradicional — vem se vendo envolto em dívidas bancárias, tributos atrasados, contratos de fornecimento descumpridos e execuções judiciais.
Como explica o advogado Ivaldo Praddo, que atua como administrador judicial em diversas recuperações judiciais rurais:
“A crise no agro não é pontual. Ela é estrutural. O produtor rural, que antes tinha acesso amplo a crédito subsidiado, hoje encontra juros elevados, exigências bancárias complexas e uma insegurança jurídica constante. A recuperação judicial passou a ser, em muitos casos, o único caminho viável para reestruturação do passivo e preservação da atividade produtiva.”
Recuperação Judicial como instrumento legítimo do agro
A jurisprudência brasileira tem, cada vez mais, aceitado o uso da recuperação judicial por produtores rurais, desde que demonstrada a regularidade de suas atividades e a constituição de passivo empresarial. O STJ, por exemplo, já firmou entendimento no sentido de que o produtor rural pode requerer recuperação judicial mesmo sem inscrição prévia no Registro Público de Empresas Mercantis, desde que comprove o exercício da atividade empresarial de forma contínua.
Em artigo publicado pela OAB-MT, juristas reforçam o entendimento de que “a função da recuperação judicial é preservar a atividade econômica viável, independente da roupagem jurídica do devedor”. Isso significa que, para os pequenos e médios produtores, o processo recuperacional pode significar a diferença entre a falência e a reestruturação sustentável do negócio.
Como reforça Ivaldo Praddo:
“A recuperação judicial bem estruturada, com apoio de profissionais experientes e um plano viável, é capaz de devolver ao produtor a capacidade de gerar caixa, retomar crédito e, sobretudo, manter sua terra produzindo — que é o que de fato interessa à economia nacional.”
O papel do Turnaround e da perícia contábil
O caminho da recuperação judicial, contudo, exige planejamento estratégico e intervenções técnicas estruturadas, como o turnaround empresarial — conjunto de medidas para recuperação operacional e financeira —, aliadas à assessoria contábil especializada, que pode identificar passivos ocultos, fraudes, desequilíbrios fiscais e projeções distorcidas.
Nesse cenário, profissionais como administradores judiciais, consultores financeiros, peritos contábeis e advogados especializados tornam-se essenciais para que a empresa rural recupere sua credibilidade, renegocie dívidas e mantenha sua função social.
O agro é o Brasil que produz
A recuperação judicial, quando bem utilizada, não representa derrota, mas sim estratégia de resiliência. No caso do agronegócio, isso significa preservar o setor mais relevante do PIB brasileiro, responsável por mais de 25% da economia nacional e empregador direto de milhões de brasileiros.
“Recuperar empresas rurais é preservar a produção nacional de alimentos, é proteger empregos e, sobretudo, respeitar a vocação produtiva do nosso país”, finaliza Ivaldo Praddo.
Conclusão
Nos próximos anos, o uso da recuperação judicial tende a se consolidar como ferramenta legítima de reorganização empresarial no campo, cabendo aos profissionais do direito, da contabilidade e da economia rural atuarem com ética, técnica e estratégia para que esse instrumento jurídico continue cumprindo seu papel de preservar negócios viáveis e estimular a economia real.

