O Ministério Público do Estado do Maranhão, por meio da 1ª Promotoria de Justiça de Paço do Lumiar, ofereceu denúncia criminal contra ex-gestores e empresários envolvidos em um complexo esquema de fraude a licitações públicas, com base no Inquérito Civil nº 738-507/2021. As investigações revelaram a montagem de processos licitatórios fictícios realizados no âmbito da Câmara Municipal no exercício de 2017, violando frontalmente os princípios da administração pública e as normas da antiga Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93).
Segundo a peça acusatória, os Convites nºs 01, 02, 03 e 07/2017 foram formalmente instaurados, mas nunca chegaram a ocorrer, como admitido por membros da Comissão Permanente de Licitação (CPL) em depoimentos colhidos pelo órgão ministerial. As atas e documentos foram assinados em momentos distintos, apenas para legitimar contratações previamente direcionadas, caracterizando, segundo o MP, uma “simulação integral do processo licitatório”.
Entre as irregularidades levantadas, destaca-se:
A habilitação de empresas que não cumpriram os requisitos editalícios, inclusive com apresentação de documentação vencida ou incompleta;
Ausência de declarações obrigatórias exigidas nos editais;
Conluio entre licitantes, demonstrado por proporcionalidade linear nos valores apresentados;
Falta de critérios técnicos nos termos de referência, com pesquisas de preços insuficientes;
Ausência de publicação do extrato do contrato na imprensa oficial.
Montagem deliberada e favorecimento às empresas
Durante as investigações, os membros da CPL, Mário Roberto Gomes Cunha e Joelder Oliveira Torres, confirmaram que as sessões licitatórias não ocorreram, admitindo a montagem dos processos e justificando as assinaturas fora do momento oficial sob o argumento de “correções pendentes”.
O ex-diretor da Câmara à época, Thiago Charles Bittencourt Salomão, também foi denunciado por ter sido o responsável pelos projetos básicos que deram origem aos convites, além de figurar como cotante no processo de levantamento de preços.
Já o então presidente da Câmara, Arquimário Reis Guimarães, o Marinho do Paço, foi apontado como ordenador de despesas e responsável por homologar os procedimentos viciados, além de assinar os contratos com as empresas favorecidas.
Foram também denunciados os empresários Edivaldo Duarte Pinheiro (Pinheiro & Fonseca Ltda), Nivaldo Fonseca Ferreira (C. F. Ferreira – ME) e Raimundo Nonato Martins Brito (R. N. M. Brito – ME), tidos como beneficiários diretos do esquema e coautores da fraude, nos termos do art. 29 do Código Penal.
Pagamentos efetuados e ausência de controle
Apesar da simulação dos procedimentos, os contratos geraram pagamentos efetivos com recursos públicos. A empresa Pinheiro & Fonseca Ltda recebeu valores como R$ 10.884,00, R$ 31.408,70 e R$ 12.213,50, conforme notas fiscais e ordens de pagamento apresentadas. Já a empresa C. F. Ferreira – ME apresentou comprovantes de transferências bancárias que, somadas, superam os R$ 75 mil, efetuadas entre março e maio de 2017.
Chama atenção o fato de que a própria Câmara Municipal, ao ser oficiada, não apresentou os processos de pagamento originais, alegando que não foram localizados nos arquivos da Casa Legislativa.
Tipificação penal e fundamentos legais
Com base nos elementos probatórios, o MP propôs denúncia com fundamento no art. 90 da Lei nº 8.666/93, norma vigente à época e considerada mais benéfica em relação à atual previsão do art. 337-F do Código Penal, inserido pela nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021).
A Promotoria ressalta que o tipo penal em questão é de natureza formal, ou seja, independe de prova de prejuízo efetivo, conforme entendimento consolidado na Súmula 645 do STJ, a qual afirma que “o crime de fraude à licitação consuma-se independentemente da comprovação de dano”.
Para o Ministério Público, o dolo genérico é evidente, demonstrado pela conduta consciente dos agentes em burlar o caráter competitivo dos certames. A ação penal ora proposta visa à responsabilização criminal de todos os envolvidos, com pedido de citação dos réus, designação de audiência de instrução e julgamento, e expedição de ofícios ao Banco do Brasil e ao Tribunal de Contas do Estado para instrução processual.
Foram arroladas três testemunhas, todas servidores da Câmara Municipal…