
O assassinato de Jerder Pereira da Cruz, brutalmente espancado até a morte enquanto sofria um surto psicótico dentro de uma igreja, é mais do que um crime bárbaro. É a síntese do colapso de um sistema que mata os vulneráveis, abandona os doentes e protege os covardes. E agora, seis meses depois, o que deveria ser um inquérito rápido e exemplar virou mais um símbolo da lentidão, negligência e impunidade institucional que corrói a justiça criminal no Maranhão.
Documentos não mentem. O Estado, sim.
Documentos médicos obtidos pela assessoria jurídica da família desmontam qualquer narrativa criminosa que tentam colar sobre Jerder. Ele não era ladrão. Ele não era bandido. Era um homem doente, diagnosticado em 2015 com transtorno psicótico agudo (CID F23.0) e em 2020 com esquizofrenia (CID F20). A evolução da doença é clara e documentada.
Mas, na madrugada de 28 de outubro de 2024, em estado de confusão mental, Jerder entrou na Igreja Assembleia de Deus “Restaurando Valores”, no conjunto Roseana Sarney e quebrou uma porta. Era um pedido de socorro inconsciente. A resposta da comunidade? Linchamento. A resposta da Polícia Militar? “Não é com a gente.”
Sim, você leu certo. A Polícia Militar foi acionada e se recusou a atender o chamado. Lavou as mãos, como se um homem sendo espancado até a morte em via pública fosse questão secundária. Jogou a responsabilidade para o Corpo de Bombeiros e serviços médicos, enquanto Jerder apanhava até morrer.
Assassinos protegidos. Polícia omissa. Justiça cega.
Mesmo com a violência sendo testemunhada por moradores e denunciada pela própria esposa — grávida de cinco meses na época — nenhum agressor foi indiciado. Nenhum agente público foi responsabilizado. O inquérito, que deveria escancarar os culpados, está emperrado na Delegacia do Maiobão.
E como o tempo, cúmplice da impunidade, segue correndo, o Ministério Público decidiu: mais 90 dias de espera. A promotora Marinete Ferreira Silva Avelar, da 5ª Promotoria de Justiça Criminal, alegou a necessidade de “diligências imprescindíveis”. Mas qual a diligência que justifica meio ano de inércia? O corpo de Jerder já apodreceu no chão da impunidade e o sistema ainda pede paciência, com quase 7 meses de demora…
A Igreja cala. O Estado protege. A família sangra.
Há quem tente, agora, reescrever a cena do crime. Interesses ligados à igreja tentam pintar Jerder como ladrão, uma manobra torpe para justificar o linchamento. Mas não há espaço para distorções: o atestado da Clínica São Francisco de Neuropsiquiatria é cristalino. Jerder era doente. Vinha lutando contra um transtorno devastador. Era acolhido apenas por sua companheira, Fabiana Louzeiro e sua família, com quem teve 3 filhos, um deles recém-nascido, que ele sequer teve chance de conhecer e outro autista.
Se estivesse em si, naquele dia, Jerder estaria em casa, abraçando seus filhos e não caído no chão, esmagado por golpes de ignorância, preconceito e abandono.
“Jerder foi morto duas vezes”: a execução e o esquecimento
O caso é brutal demais para ser ignorado. É o retrato do que acontece com os invisíveis sociais neste país: um homem negro, pobre, com transtorno mental, linchado numa igreja e esquecido pelo Estado. E a resposta? Mais 90 dias de nada. Mais promessas vazias. Mais relatórios ausentes.
Organizações de direitos humanos, juristas e movimentos sociais alertam: essa morosidade é criminosa. “Jerder foi morto duas vezes: uma pela violência das ruas e outra pela indiferença das instituições”, disse um familiar, com razão.
Até quando?
O caso Jerder Cruz não é um ponto fora da curva. É sintoma de um sistema apodrecido, que pune a loucura com morte, a pobreza com silêncio e o sofrimento com desprezo. E que premia os violentos com liberdade e os omissos com cargos públicos.
A sociedade exige respostas. A família exige justiça. O tempo exige ação. Porque cada dia sem justiça é mais um dia de vitória para os assassinos e de derrota para a família…
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